E para aquele que pensam que uma residência bioclimática representa gastar mais, o arquiteto Flávio Castro dá seu recado: “Algumas estratégias de projeto podem render excelentes resultados, sem gerar custos adicionais”.
Desde 2009, Castro vem se dedicando a projetos bioclimáticos em seu escritório, o FCStudio, em São Paulo. “A orientação da casa é importante para que seja eficiente energeticamente. O sol da tarde incide na face norte (hemisfério sul da Terra), o que deve ser levado em conta na distribuição dos espaços. Além disso, aberturas nas fachadas e teto permitem que a luz natural invada o espaço interno e que não seja necessária a iluminação artificial durante o dia”, explica ele.
Outra ideia que vem sendo aplicada por Castro é o sistema de ventilação cruzada, que propicia movimentação de ar dentro da residência, resfriando o espaço e dispensando o ar-condicionado. “Assim, não se agride o meio ambiente nem se tem o custo das máquinas”, diz. Insolação controlada pela orientação da casa, temperatura interna agradável proporcionada pela ventilação cruzada, películas protetoras nos vidros e paisagismo que ameniza a incidência solar direta fazem parte dos recursos utilizados em suas propostas. Árvores plantadas em pontos estratégicos do lote, para que sirvam de barreira contra o sol, também constituem opção.
Até mesmo soluções que podem inicialmente aumentar o custo de construção vêm sendo adotadas, pois o investimento é recuperado em médio ou longo prazo. É o caso dos painéis coletores que absorvem a energia solar e a convertem em calor, aquecendo a água de chuveiros e torneiras. Nesse caso, o gasto adicional na obra é recuperado entre 24 e 36 meses, segundo Castro. Quanto aos painéis fotovoltaicos para produção de energia elétrica a partir da energia solar, o retorno se dá em cerca de dez anos, de acordo com Patrícia. “No entanto, novas tecnologias têm aparecido no mercado e o investimento inicial tem barateado a cada ano, aumentando, assim, a viabilidade de implementação desse sistema”, ela afirma.
CASA PLANALTO
Um exemplo de obra de Castro é o projeto da casa Planalto, uma residência com 600 metros quadrados de área construída, na zona sul de São Paulo. Partindo de dois grandes volumes, em balanços direcionados para as fachadas frontal e posterior, foi possível apoiar um prisma de concreto em poucos pontos, gerando um intervalo entre o térreo e o pavimento superior, que garante a iluminação e ventilação naturais de alguns espaços. Um prisma retangular perpendicular ao alinhamento da rua abriga os setores íntimos, no pavimento superior, ocupando apenas metade do terreno e liberando a outra porção para lazer e paisagismo. Servindo de apoio estrutural e concentrado apenas no térreo, outro prisma retangular, de proporções distintas, recebe os ambientes de serviço e sociais. A circulação vertical é o único ponto de contato entre eles.
Além de ser um solário de descanso, a cobertura do corpo térreo é composta por um deque elevado e pedras soltas, solução que colabora com o resfriamento da área abaixo, destinada ao lazer. Iluminação e ventilação naturais também são favorecidas por aberturas nas fachadas e teto. A luz entra por grandes portas corrediças da fachada lateral direita e por amplas aberturas, sombreadas por brises verticais pivotantes de aço corten, que controlam a incidência solar direta, garantindo economia no uso de energia elétrica.
O conforto termoacústico é proporcionado pela cobertura plana, impermeabilizada com manta térmica e proteção mecânica. Ao mesmo tempo em que resfria a área imediatamente abaixo, cria uma camada espessa de argila que protege a cobertura do pavimento superior de ruídos externos. Em alguns pontos do projeto, como o home theater, as paredes em alvenaria receberam proteção acústica interna para que ocorresse a correta reverberação do som.
A residência possui estrutura modular e simétrica em relação à modulação dos pilares metálicos. Assim, os cálculos estruturais e a execução foram facilitados pela adoção da mesma solução na quase totalidade do projeto, segundo Castro. Pilares e lajes maciças de concreto foram construídos no local por mão-de-obra especializada e a estrutura metálica foi trazida pronta e apenas instalada. “São técnicas e materiais disponíveis no mercado e que não apresentam grandes especificidades”, diz ele.
REDUÇÃO DE CUSTOS
Para Patrícia, o uso de recursos naturais a favor da idealização de projeto não onera o custo de uma construção, uma vez que não se trata de uma ação durante a execução, e sim de uma estratégia. Ao adotá-la, o projetista acaba por dar a ela prioridade em detrimento de outras ou associá-la a propostas como vista, programa, forma etc. “Cabe ao profissional pesquisar, avaliar e de fato implementar diretrizes climáticas durante a concepção do projeto. Ferramentas como carta solar, temperatura, direção dominante do vento, estudo de sombreamento do entorno são algumas entre as utilizadas pelo autor para um bom projeto bioclimático”, observa Patrícia.
Para a arquiteta, o uso de estratégias bioclimáticas minimiza os custos com operação e manutenção. Uma edificação projetada com preocupações quanto a inserção climática demanda menor uso de métodos de condicionamento, como ventiladores, ar-condicionado, sistema de aquecimento, e consequentemente consome menos energia. “Além disso”, diz ela, “quando um projeto utiliza materiais regionais, por exemplo, apresenta durabilidade maior e requer menor manutenção. O mesmo acontece quando o paisagismo é adequado ao clima, com espécies nativas que consomem menos e têm menor custo com irrigação e manutenção.”
O estudo de um projeto bioclimático deve considerar aspectos locais para a construção de suas estratégias. “Um projeto desenvolvido para Belo Horizonte, por exemplo, tem características e estratégias bem diferentes daquelas adotadas em Belém”, diz Patrícia, acrescentando que, “para climas tropicais, um dos elementos mais relevantes é uma implantação que permita o uso de ventilação passiva e sombreamento”. Também é importante o uso de venezianas, beirais, varandas, pergolados, vegetação integrada e aberturas em fachadas opostas, a fim de favorecer esses objetivos.
CASA EM ALDEIA DA CACHOEIRA DAS PEDRAS
Um dos projetos do escritório Ares que expressa os conceitos apontados por Patrícia Santos foi desenvolvido para uma casa no condomínio Aldeia da Cachoeira das Pedras, em Brumadinho, MG. Trata-se de uma residência com cinco suítes e área de lazer integrada ao ambiente social, conforme desejo dos proprietários, a ser implantada de acordo com a insolação local e as condições de privacidade e programa proposto, utilizando estratégias passivas de ventilação e iluminação natural, além de outros recursos sustentáveis.
“O projeto propõe o uso de materiais alternativos, extraídos do próprio local, como galhos e troncos de árvores, sendo a maioria delas preservada e retiradas aquelas de menor porte e estritamente necessárias para a viabilidade da edificação”, explica Patrícia. Até mesmo o movimento de terra foi planejado, para que fosse o menor possível, compensado pelo manejo na implantação. Foi prevista também área de deque suspenso, para facilitar a manutenção da casa de máquinas e a minimização dos impactos no terreno.
O curso de água lindeiro ao terreno foi preservado, para proteger a mata nativa e manter a privacidade dos moradores. O uso de cores claras vai evitar desconforto por calor no verão e paredes espessas combaterão o frio característico do inverno na região. Materiais locais, telhas ecológicas e madeira de demolição juntam-se aos outros recursos a serem aplicados, como coletores solares para aquecimento de água; captação e armazenamento de água de chuva; paisagismo estruturado para a preservação do ecossistema; vedações translúcidas, orientadas de modo a promover o aquecimento passivo adequado durante os meses de inverno.
A casa de 250 metros quadrados ocupará terreno de mil metros quadrados. O projeto foi elaborado em 2013 pelos arquitetos Patrícia Santos, Ana Carolina Veloso, Paula Rocha, Caio Sabido e Guilherme Brandão, do escritório Ares Arquitetura.
RETROFIT SUSTENTÁVEL
Em São Paulo, o arquiteto Rafael Loschiavo, do escritório Ecoeficientes, especializado em construção sustentável, executou o projeto de retrofit de uma residência no Jardim Europa, integrando conceitos bioclimáticos. Ele conta que entre os principais desafios estava a utilização de materiais e acabamentos que resultassem em uma valorização do imóvel para venda e permitissem que os futuros moradores economizassem energia e água durante a vida útil da moradia.
Para isso, a estrutura principal existente foi mantida, sendo preservadas a fundação, pilares, vigas e lajes em estrutura de tijolo e cimento padrão. Para ampliação da casa foram utilizadas estrutura metálica e laje de concreto pré-fabricada, o que reduziu o tempo da obra: apenas um mês para toda a estrutura. “Consequentemente, o gasto com mão de obra também diminuiu, juntamente com os resíduos e os desperdícios”, comenta Loschiavo.
Grandes aberturas foram calculadas para garantir iluminação natural adequada durante o dia e ventilação cruzada, que dispensa o uso de ar-condicionado. O antigo telhado com estrutura de madeira e telhas cerâmicas foi retirado e doado para os próprios funcionários da obra, dando lugar a uma cobertura verde. Usando mão de obra convencional, orientada por Loschiavo, o telhado verde foi construído com uma laje de concreto, em inclinação de 1,5% para escoar a água da chuva, através de um ralo, impermeabilizada com manta asfáltica, sobre a qual se aplica a cobertura de concreto. Depois vêm uma camada de argila expandida, manta Bidim e sobre esta o substrato e placas de grama esmeralda.
“Esse modelo de cobertura apresenta muitas vantagens”, diz Loschiavo. “A terra e a grama colaboram para manter a temperatura interna amena devido à sua baixa inércia térmica. Diferente das lajes impermeabilizadas e das telhas convencionais, a cobertura verde demora para esquentar com o sol, e com isso ajuda a resfriar o ambiente no verão e aquecê-lo no inverno.”
Outra função do telhado verde é captar a água da chuva, que vai para um reservatório - localizado estrategicamente no térreo da construção para economizar na estrutura, já que se encontra apoiado no solo. Essa água é utilizada para irrigar a horta, jardins e a parede verde que reveste a fachada principal, produzida com placas feitas de embalagens de caixas de leite recicladas e prensadas, além de um feltro de poliéster fabricado a partir de garrafas PET. A água da chuva também é usada nos dois vasos sanitários da casa. Com uma torneira é possível acessar a água da cisterna diretamente para outras atividades, como a limpeza do piso.
Texto de
Cida Paiva | Publicada originalmente em
Finestra na Edição 96